A religiosidade latino-americana e seus desafios.
Embora
seja possível apresentar uma noção de cultura relacionada a graus de
conhecimento, de formação ou de civilidade, pode-se entender cultura como
manifestação e produto de um indivíduo inserido em uma sociedade. Nesse
sentido, ela significa a "forma de vida social" de alguém que,
inescapavelmente, produz e reproduz valores do seu meio. Assim, não há sujeito
que não tenha cultura.
A
relação da cultura com a ética se estabelece na manifestação de uma consciência
regida por valores pré-existentes que promovem a ordem e o bem comum, ou seja,
a cultura tem uma dimensão ética que promove "o amor universal".
A ideia
de pluralidade é constante ao se pensar em cultura. As diferenças culturais são
muitas, e, a respeito de suas variadas manifestações, surgem aquelas que buscam
sobrepor-se às outras. Nesse âmbito, aparece um dos maiores problemas a ser
enfrentado que é a formação de culturas dominantes. Estas se inserem em outros
contextos culturais sorrateiramente ditando tendências e valores que passam a
ser seguidos sem que a experiência e a criatividade local seja valorizada. Por
consequência, os "invadidos" tornam-se contextos culturais
artificias. A exemplo de cultura dominante, pode-se citar a norte-americana,
baseada no individualismo liberal, centrada na importância dos valores
econômicos.
A relação entre a cultura e a religião, principalmente nas culturas ditas dominantes, é de restrição das ações religiosas em função dos valores que devem ser tidos como supremos dentro de tal sociedade. Na cultura norte-americana, a religião se torna limitada, perdendo seu espaço nas participações dos problemas sociais, estes que devem, segundo a ideologia liberal, ser vencidos pelo trabalho. Na cultura do tipo da soviética, a religião é descartada da vida dos indivíduos por uma valorização da "ordem" imposta a todos, através de moldes preestabelecidos. Em ambos os tipos de cultura, a religião não tem a expressão para uma "liberdade criadora".
https://www.2rdsemijoias.com.br/a/zuleikafontes O
significado etimológico da palavra "religião" é duvidoso, podendo ser
visto como reler (ou seja, atenta e
cuidadosa observância dos rituais), como reeleger
(ou seja, opção básica de vida diante de sua meta última) ou como religar (ou seja, a vinculação do homem
com sua origem e seu destino).
Deus é
descrito dos mais variados modos nas religiões, porque é "a instância
suprema da existência, a totalidade abrangente que nos acolhe, o Tu com que nos
relacionamos em nossa solidão e nossa angústia, a meta a que nos
dirigimos". Enfim, Deus é o "ideal supremo do humano, o horizonte de
nossa caminhada e de nossos anseios".
A raiz
da religiosidade é "a abertura do horizonte cognoscitivo e sensitivo do
homem para o infinito", ou seja, é a busca pelo preenchimento da vastidão
interior do homem, a necessidade de "encontrar o sentido mais profundo da
vida".
Uma das
críticas à religião pela era Moderna é que ela, do ponto de vista das ciências,
era vista como carente de saber, já que entendia as ações da natureza como
manifestações divinas, mas a ciência mostrou as razões dos fatos como fenômenos
naturais, apontando, consequentemente, para a ignorância e o obscurantismo da
religião.
Uma
relação que se pode fazer entre as religiões e as mudanças sócio/históricas dos
povos é que aquelas se "constituíram um estímulo poderoso" para
estas. Pode-se citar os grandes acontecimentos históricos que ocorreram em nome
da religião, como a saída do povo hebreu do cativeiro egípcio, as conquistas do
império maometano através da guerra santa, os ideais calvinistas em
favorecimento ao capitalismo.
A religiosidade latino-americana,
embora evidente em seu povo, corre o risco de ser uma aliada das forças
opressoras, pois se trata de uma religiosidade caracteristicamente resignadora
e que não leva as pessoas ao movimento atual de libertação contra o estado de
opressão. O grande desafio está em dinamizar tal religiosidade através da
evangelização que conscientiza e estimula os povos a lutarem por suas causas,
porém de forma justa.
Uma das
características que representa o povo latino-americano é sua história de
opressão. Desde que fomos "descobertos", vivemos até hoje a triste
sina de sermos usurpados. Esse fato parece ter se tornado cíclico ao longo dos
anos e fez com que, de uma forma geral e por ações repetidas de subjugação,
assumíssemos uma cultura de subalternos, incutida por aqueles que regem as
relações de poder. Estes são invasores, que buscam avidamente pelos seus
próprios interesses, deixando-nos, estrategicamente, sem nem mesmo o recurso de
reagir, como se nada pudesse ser feito para mudar as situações. É como se nos
fizessem pensar que tudo o que aconteceu foi da vontade de Deus. Somos educados
numa religião que se posiciona como "domesticadora" das possíveis
forças que poderiam se opor às
estruturas sócio/política/econômicas de dominação. Precisamos aprender
sobre a justiça e com justiça através de uma religiosidade que nos leve a lutar
com força e amor pela vida do próximo.
Zuleika Alves Fontes Estarneck
Bibliografia:
VOCABULÁRIO TEOLÓGICO PARA A AMÉRICA LATINA. J. L.
Idíogaras S. J. Edições Paulinas, 1989/90.
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